Um dia desses
Não era um dia comum. E desde quando os dias são comuns e corriqueiros. Em algum lugar sempre acontece algo extraordinário, e mesmo nas coisas ordinárias, há sempre algo incomum. As nuvens não são as mesmas. O ônibus pode enfrentar um desvio, ou engarrafamento diferente. Seu bom humor pode variar como o trajeto de uma montanha-russa. Enfim, o dia tinha virado, não era o dia anterior e nem seria o dia seguinte, e naquele momento o sentimento era de que seria uma data especial. Sim, o sol tinha raiado como sempre faz, acordou e levantou da cama, como se o despertar não fosse um milagre em si, mas pairava no ar algo cintilante e revigorante, cuja sensação não consegui descrever.
O cotidiano parecia não existir e a mera conversa na padaria soava como única e enriquecedora. Pressentia que mesmo sendo quem ele fosse, neste dia já não era o mesmo, e o vento que batia não o assustava nem o acolhia, era só para espalhar as folhas secas no chão, e configurá-las como notas musicais em uma partitura, sobre as linhas horizontais daquela calçada em que caminhava.
Espantoso como as pessoas andam na cidade, cada qual com uma perspectiva de vida, com uma determinada atividade diária, e pensamentos tão próprios que nem os mais próximos desconfiam. Um desconhecido então, nem imaginaria.
Foi então que parou para ouvir o violinista de rua, por quem sempre passou reto naquelas caminhadas corriqueiras do dia-a-dia.
A música que tocava não era novidade, já ouviu no rádio e alguns transeuntes com fones de ouvido até cantarolavam no transporte coletivo. Mas imaginou o quanto o violinista tocou repetidamente para se aperfeiçoar e chegar até aquele momento em que parou para melhor o observá-lo e escutar o que estava tocando.
De repente outra pessoa ao seu lado fez o mesmo. Nas ondas do vai-e-vem da multidão que o cercava, uma garota de moletom e cabelo pintado de azul parou com as mãos no bolso ao seu lado direito, e ambos ficaram parados ouvindo o violinista. Resolveu depositar umas moedas na caixa do violino ao chão, curioso para ver se a garota tirava a mão do bolso. Ela ignorou, mas começou a dançar com o quadril e as pernas, mantendo as mãos junto ao corpo.
Surpreso, ficou olhando a coreografia, no que ela reparou e deu um sorriso. Ele sorriu de volta, e ela então acrescentou a sua dança o gesto de tirar a mão do bolso e colocar moedas para o violinista como ele fez. O violinista continuou tocando, enquanto ela se afastou, ainda gingando, rumo àquele mar de gente em seus passos ritmados em cadência com o mesmo de sempre, em mais um dia comum de suas vidas.